Pode vir tarde, mas vem do coração, por isso estamos perdoados. Para a nossa segunda participação no projeto ACMA || A CULTURA MORA AQUI, com o tema "Tradições", resolvemos agarrar no desafio à nossa maneira, escrevendo um conto com umas personagens bem curiosas! O conto será divido em 3 partes, e sem mais demoras, aqui fica a primeira. Boas leituras!
Capítulo 1 |
— Com licença. — A voz poderosa da Sra. Elizabete ecoa no recinto, pairando no ar muito depois de se fazer silêncio. Embora a excitação seja muita, todos lhe reconhecem a presença autoritária, capaz de cessar uma orquestra inteira com o olhar.
— Amanhã aguarda-nos mais um dia histórico. — Faz uma longa pausa, saboreando a solenidade do momento e, quase imperceptivelmente, balança sobre si mesma, provocando uma explosão de brilhos na sala. Uma onda de exclamações percorre o espaço por breves instantes, até ela retomar a palavra:
— A quem já cá está há algum tempo, saiba que se espera o mesmo rigor e excelência de todos os anteriores eventos nesta família. Aos novatos, resta-me desejar que aproveiteis este momento com toda a classe com que fostes educados… e aos outros…
Não se ouve burburinho algum, mas a vontade de comentar entre uns e outros é tão certa que é quase física a sensação de cochichos paralelos.
— Que sejais gratos pela honra de poderdes estar aqui.
Desviado o olhar da sua presença, não é possível ignorá-la: os brilhos estão em todo o lado. Os dela e não só... Menos os dos “outros”… e os “outros” somos nós.
— Uma coisa nova, uma coisa velha, uma coisa emprestada e uma coisa azul… que vençam os mais valiosos!
*
Somos peças de bijuteria. Sim, ouviram bem, bijuteria. Falo-vos do separador principal do guarda-jóias de uma das famílias mais notáveis do Alentejo, onde nos reunimos hoje para debater o tema do momento: o casamento da menina Sofia.
Lá à frente, estrategicamente posicionada, está a Sra. Elizabete, a jóia mais antiga da família: tiara de prata recém-polida, cravada com 17 diamantes de 5 quilates, na família há 11 gerações. Na primeira fila, a prata da casa não poupa a esforços na distinção: estão as pérolas, os solitários, as pesadas correntes de ouro, os pregadores com ametistas reluzentes. Jóias brilhantes e de beleza intemporal que passaram de pescoço em pescoço, orelha em orelha, dedo em dedo de cada mulher da família até hoje. Na sua maioria, constituem o Conselho do Guarda-Jóias, no qual são tomadas todas as decisões relativas à comunidade dos acessórios. Seguem-se os novatos, material de qualidade, design renovado, mas sem o histórico familiar. O José e o Manuel, um par de brincos de ouro branco oferecidos pelo noivo da menina Sofia, são um exemplo desta casta e fortes candidatos ao lugar de “uma coisa nova” por terem sido oferecidos no último São Valentim.
Lá à frente, estrategicamente posicionada, está a Sra. Elizabete, a jóia mais antiga da família: tiara de prata recém-polida, cravada com 17 diamantes de 5 quilates, na família há 11 gerações. Na primeira fila, a prata da casa não poupa a esforços na distinção: estão as pérolas, os solitários, as pesadas correntes de ouro, os pregadores com ametistas reluzentes. Jóias brilhantes e de beleza intemporal que passaram de pescoço em pescoço, orelha em orelha, dedo em dedo de cada mulher da família até hoje. Na sua maioria, constituem o Conselho do Guarda-Jóias, no qual são tomadas todas as decisões relativas à comunidade dos acessórios. Seguem-se os novatos, material de qualidade, design renovado, mas sem o histórico familiar. O José e o Manuel, um par de brincos de ouro branco oferecidos pelo noivo da menina Sofia, são um exemplo desta casta e fortes candidatos ao lugar de “uma coisa nova” por terem sido oferecidos no último São Valentim.
Não sei se estão a par da tradição, mas é costume, nos casamentos, usar-se uma coisa nova, uma coisa velha, uma coisa emprestada e uma coisa azul. É a esta escolha que se resume todo o nosso dia-a-dia no guarda-jóias. É bonito ser-se escolhido para um jantar, para uma ida ao teatro, para uma tarde de cinema… mas um casamento? Esse é o maior desejo de todos os que estão nesta sala… excepto para aqueles que não têm sequer o direito a sonhar com isso.
Atrás dos novatos estamos nós, os “outros”. O pechisbeque baratucho, a traquitana de fantasia, a imitação foleira. Qualidade duvidosa, sem história, sem valor, sem raridade. Mas até no fundo da pirâmide há distinções: embora sejam desprezadas pelos grandes senhores do guarda-jóias, há peças que se safam por serem as de utilização mais corriqueira. Falo-vos da Tina, os manos César e Leonardo, das primas Cátia, Catarina e Cristiana, enfim, todo um grupo de colares, anéis, pulseiras, brincos e outros acessórios que a menina Sofia usa no dia-a-dia, quase todos oriundos de uma terra onde dizem que a qualidade de vida para bijuteria é porreira...a Parfois. A questão é que, mesmo para eles, continua a ser mais fácil do que para quem está ainda mais abaixo, mesmo no fundinho dos fundinhos: eu mesma, Shelly, um anel azul de plástico para crianças, e, agora sentem-se… com um golfinho. Yap, nem mais, nem menos. Um golfinho, o ex-libris da piroseira, o marco da infância fluorescente das miúdas dos anos 90… num guarda-jóias.
Ninguém percebe muito bem a razão pela qual estou aqui, eu incluída, em vez de estar, por exemplo, na caixa das lembranças, junto com os bilhetes de cinema, a tampa da garrafa de água que o cantor favorito da menina Sofia atirou para o público no primeiro concerto a que ela foi, ou os papeizinhos trocados nas aulas com as amigas. Daria tudo para lá estar, mas não, aqui estou eu, a partilhar o mesmo guarda-jóias que a tetra-tetra-tetra-avó Micaela, um travessão de cabelo com um pavão com brilhantes, que se recusa a dormir no mesmo separador que eu desde o primeiro dia que cá cheguei.
Ninguém percebe muito bem a razão pela qual estou aqui, eu incluída, em vez de estar, por exemplo, na caixa das lembranças, junto com os bilhetes de cinema, a tampa da garrafa de água que o cantor favorito da menina Sofia atirou para o público no primeiro concerto a que ela foi, ou os papeizinhos trocados nas aulas com as amigas. Daria tudo para lá estar, mas não, aqui estou eu, a partilhar o mesmo guarda-jóias que a tetra-tetra-tetra-avó Micaela, um travessão de cabelo com um pavão com brilhantes, que se recusa a dormir no mesmo separador que eu desde o primeiro dia que cá cheguei.
*
(Continua)
Sobre o projeto A Cultura Mora Aqui
Criado pela Ju, do blog Cor Sem Fim, o projeto A Cultura Mora Aqui - ou ACMA, para abreviar - tenciona trazer a cultura de volta à internet com temas mensais ou bimestrais. Para participarem, só têm de enviar um e-mail com os vossos dados para acma.cultura@gmail.com - não vamos falar sobre outfits, maquilhagem, moda, etc, e qualquer um de vós pode participar, não sendo obrigatório fazê-lo todos os meses. Para não perderem nenhum post, já podem seguir a página do ACMA no facebook e a Revista.
Que conto tão original! Mal posso esperar para ler a continuação *.*
ResponderEliminarObrigada Andreia! :D Beijinhos grandes
EliminarGostei e vou tentar acompanhar esta história.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Obrigado! Esperemos que goste da continuação :)
EliminarPrimeiramente obrigada pelo carinho no meu canto :)
ResponderEliminarVim visitar-vos e apaixonei-me pelo vosso espaço, já vos estive a cuscar.
Perdi-me desde a hora que me deixaram o comentário até agora 18:46!
Mas vim para ficar, por isso tenho tempo :)
Quanto a este capitulo fico ansiosa pelos restantes, notei o sentido de humor e amarrei-me. Estou no entanto indecisa se eu seria um fio de ouro minimalista que nunca sai do pescoço ou um par de brincos statement que eram da minha mãe no tempo em que se usavam permanentes malucas. ahahaha
Oh que palavras tão queridas que nos aqueceram o coração! ^_^ Ficamos muito felizes por gostar tanto do nosso espaço! :)
EliminarQue engraçado! É uma excelente ideia cada pessoa imaginar qual acessório seria :D
Tu levas jeito para escrever! Um otimo conto! Boa semana!
ResponderEliminarOh, muito obrigado! Boa semana :D
EliminarAdoro contos! O teu por sinal está maravilhoso! Já conhecia o projeto mas ainda não tive coragem de participar no mesmo. Beijinhos <3
ResponderEliminarwww.carolinafranco.pt
Pode ser este o empurrãozinho que faltava para participares e mostrar a tua visão em cada tema! Esperamos ansiosos ^_^
EliminarMuito interessante. Fiquei presa às palavras/metáforas. Prisão boa. Vou acompanhar.
ResponderEliminarMuito obrigado! É bom saber que teve esse efeito :)
EliminarInteressante projecto.
ResponderEliminarGostei do conto, vou esperar a continuação.
Obrigado!! Não falta muito para a próxima parte :D
Eliminarr: Sim, infelizmente, essa realidade começa a tomar proporções assustadoras, porque, como são bichos amorosos, virou moda ter um. E isso não seria um problema se, pelo menos, as pessoas tivessem consciências dos cuidados que são necessários para manter um ouriço cacheiro. O mal é que muitos têm só mesmo para mostrar, e colocam a saúde dos animais em causa devido a essa irresponsabilidade.
ResponderEliminarSem dúvida :D
Fico à espera de mais!!!
ResponderEliminarR. Obrigada! Acredito que maior parte das pessoas que trabalham em enfermagem fazem-no porque gostam, porque esta profissão é difícil e muito dura. Se as pessoas não gostarem do que estão a fazer isso vai-se refletir imediatamente nos cuidados que prestam ao outro.
R. O nosso restaurante fetiche em Aveiro, é uma pequena hamburgueria, deve ter para aí umas 5 mesas, é um espaço pequenino mas bonito e acolhedor e nós somos muito fãs dos hambúrgueres de lá e a limonada? Maravilhosa! Chama-se "culpa da vontade" =)
ResponderEliminar_
Desconhecia por completo esse projecto, mas parece-me interessante, sobretudo para colocarmos em prática a criatividade, foi um bom começo esse conto :)
MRS. MARGOT
Ficarei a acompanhar.
ResponderEliminarBoa semana
Obrigado! Boa semana ^_^
Eliminarahahaha gostei muito do texto, bem engraçado.
ResponderEliminarFicarei atenta****
Muito obrigado! :D
EliminarAnsiosa pela segunda parte :)
ResponderEliminarObrigado! Já falta pouco :3
EliminarJá tinha lido sobre o projecto e acho uma boa ideia!
ResponderEliminarA primeira parte do conto está muito gira :)
Beijinho!
https://demantanosofa.blogspot.pt/
Muito obrigado! Beijinho :D
EliminarMeu Deus, eu AMEI esse conto! Primeiro que tem que haver muito talento pra conseguir dar vida a objetos inanimados como jóias, não é algo que eu tava esperando e já me surpreendeu positivamente. Tô louca pela parte 2!
ResponderEliminarUm beijão,
Gabs | likegabs.blogspot.com ❥
Ohhh muito obrigado!! Logo, logo, vai sair a parte 2!! Esperamos que gostes tanto como da parte 1 ^_^ Beijinho!
EliminarOlá obrigada pelo comentário já sigo o blog
ResponderEliminarQUe bonita história
https://retromaggie.blogspot.com
Muito obrigado! ^_^
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